de Dorian Anderson Soutto
Todo ano devido a minha profissão eu visito a Comdex, uma feira internacional de informática que acontece anualmente no Anhembi em São Paulo.
No ano de 2003 não foi diferente, parei no Center Norte para almoçar antes de ir para a feira. Um amigo que estava junto resolveu ver um terno para comprar e eu fiquei aguardando do lado de fora da loja observando o movimento.
Gosto de observar as pessoas – Algumas andam apressadamente e seus olhares são vazios, elas não enxergam pessoas e sim vultos que atrapalham seu caminho – outras andam como zumbis, devagar olhares vazios como se apenas estivessem cumprindo tabela aqui na terra – Tem também aquelas sorridentes; ainda mais quando de frente com o sonho de consumo. E os reparadores e detalhistas que creio ser o meu tipo.
Neste dia no Shoping observei uma moça que havia saído de uma loja, ela aparentava uma tristeza intensa de quase desespero. Aquela imagem me moveu em compaixão e logo pensei: – Misericórdia Pai. Misericórdia com esta alma.
Para minha surpresa percebi que ela começou a chorar, andando e chorando, ela não sabia que eu a observava. Logo ela chorava em soluços tentando enxugar os olhos para não tropeçar em alguém ou algo.
Tirei os olhos dela para ver o comportamento das pessoas que presenciavam aquilo. Um casal aparentando quarentões endinheirados vinha na mesma direção que ela; quando a senhora viu a cena, deu um toque no marido apontando com os olhos e puxou-o forçando a mudar de direção da mesma forma que fazemos quando vemos fezes de cachorro na calçada.
Voltando os olhos para a moça observei que ela resolveu sentar em um pequeno banco de frente a uma loja famosa, quando os funcionários com seus trajes impecáveis viram a cena, entraram mais ao fundo da loja e observaram por um tempo, e logo voltaram a seus afazeres.
Estava formado o palco!
Uma pessoa sentada em um banco com a cabeça baixa soluçando baixinho e o restante das pessoas com suas vidas atarefadas passavam desapercebidas pela situação.
Fiquei ali pensando e tentando lembrar se São Paulo tinha 20 milhões de habitantes ou era menos ou mais. Tanta gente e nenhuma ajuda, nenhuma consolação.
A mensagem foi bem clara em meu coração: “Vai!”
Eu sabia o que tinha que ser feito, não precisava nem mandar. Fui…
– Moça! Tudo bem com você?
Ela não levantou a cabeça; sentei ao seu lado no banco e tentei novamente:
– Posso te ajudar em algo?
Ela apenas chacoalhou a cabeça negativamente.
– Vou ficar sentado aqui ao seu lado, se precisar de algo estarei aqui, nem se for apenas um ombro amigo.
Ela levantou a cabeça vagarosamente e olhou para mim, olhar assustado, quase me levando a um complexo de feiúra, dei um sorriso e disse: – Estou do seu lado, literalmente do seu lado.
Foi o suficiente para um sorriso tímido e a revelação do que tinha ocorrido em sua vida levando-a ao desespero.
Abandonada pelo marido vivendo sozinha com uma filha pequena, aluguel vencido e ameaças de despejo, sem recursos para a filha e todo aquele estrago que a falta de dinheiro faz. Mas um emprego no Shoping tinha mudado toda a história, ela estava animada, iria começar naquele dia uma nova vida, e ao chegar no primeiro dia de trabalho recebe a noticia que algo tinha dado errado e ela não poderia trabalhar naquela loja.
Adeus emprego…
Quando a vi saindo da loja ela tinha acabado de receber a noticia, sentiu o mundo desabar, suas pernas bambearam e ela resolveu então sentar-se e chorar. Aquele “NÃO” representava voltar para casa como um caçador que volta da caça com as mãos vazias e encontra os filhos com fome sem nada para comer.
Fiz algum rodeio contando que isto já tinha acontecido comigo e eu também tinha chorado, mas logo adentrei com as únicas palavras que poderia ajudá-la, a saber, DEUS.
Falei do amor de Deus e do propósito que Ele tinha para com a sua vida, fazendo eu viajar 500Km para poder mostrar este amor a ela. Percebi um fio de esperança em seu olhar, quando escutei meu amigo me chamar.
Eu tinha que partir…
Falei que Deus tinha um chamado para ela, era chegado a ela o Reino de Deus, e eu iria orar para que outros filhos a encontrassem e mostrasse o caminho verdadeiro.
Ela creu… Pelo menos aparentemente.
Não foi feito nenhuma oração, nada de apelos, apenas cri no poder do evangelho. Meu coração queimava quando falava do amor de Jesus, fui embora sem ao menos saber seu nome.
Hoje apenas lembro da moça do Shopping, nem sua fisionomia lembro mais. Fiquei pensando se não poderia ter ido mais adiante, dando algum dinheiro ou pegando seu telefone para ajudar. Mas tinha a sensação que eu tinha que fazer somente aquilo, mostrar o caminho.
Deus quer nos usar onde nós estamos!
Certa vez ouvi um pastor recém formado dizer que orava para saber onde deveria trabalhar. Que tal começar exatamente onde está, pensei comigo.
Não consigo entender alguém de posse da água da vida ver pessoas ao seu lado morrendo e ficar a espera do próprio Deus descer dos céus e apontar onde trabalhar.
Paulo certa vez teve uma visão onde um homem rogava: – Passa à Macedônia e ajuda-nos.(At 16.9)
E quando ele teve esta visão, procurou logo partir para a Macedônia, concluindo que Deus os havia chamado para anunciarem o evangelho. Mas o que percebemos é que no caminho Paulo já estava trabalhando, conhece Lídia, vendedora de púrpura e anuncia as boas novas a ela e também expulsa um demônio de uma adivinhadora.
Mas a visão não era de um homem? Duas mulheres passa pela vida de Paulo e ele sabe o que fazer.
Assim vejo a nossa vida cristã – Deus nos chama para anunciar o evangelho e nós pensamos que pelo fato do homem ser da Macedônia, só abriremos a nossa boca quando o encontrar.
Misericórdia!
Como conter isto no coração? Não tem como!
Jeremias sabe o que é isto: “Se eu disser: Não farei menção dEle, e não falarei mais no Seu nome, então há no meu coração um como fogo ardente, encerrado nos meus ossos, e estou fatigado de contê-lo, e não posso mais”.(Jr 20:9)
Temos que abrir a nossa boca!
Uma passagem belíssima em Ezequiel 37 demonstra isto:
– Filho do homem o que vê?
– Ossos Senhor, ossos secos.
– Poderão viver estes ossos?
– Senhor Deus, tu o sabes…
Abra sua boca e profetiza, diga: – Ossos secos, ouvi a palavra do Senhor! Eis que vou fazer entrar em vós o fôlego da vida, e vivereis.
Como se calar enquanto estamos neste vale rodeado de pessoas sem vida? Dizem: Os nossos ossos secaram-se, e pereceu a nossa esperança;
Profetiza ao fôlego da vida, profetiza, ó filho do homem, e dize ao fôlego da vida: Assim diz o Senhor Deus: Vem dos quatro ventos, ó fôlego da vida, e assopra sobre estes mortos, para que vivam!
Profetizei, pois, como Ele me ordenara; então o fôlego da vida entrou neles e viveram, e se puseram em pé, um exército grande em extremo.
Não sei o que aconteceu com a moça do Shoping, mas a minha parte é levar a palavra, o efeito que ela vai causar não é mais problema meu, o milagre está na semente e não no semeador.
Outra lição que aprendo é que onde estou é onde Deus quer que eu esteja, meu coração pode até propor um caminho, mas é Ele quem dirige meus passos.
Moisés o que está esperando? Diga ao povo que marche!
Somente assim abrirei o caminho e verão minhas maravilhas!
Não podemos esperar mais…
Levemos a palavra a tempo e a fora de tempo.
Veja também de Dorian Anderson Soutto:
Eu Fariseu e Minha igreja e meus irmãos
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