de Severino Gomes

 

Na estória da Torre de Babel encontramos o seguinte relato: “Disseram: Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo topo chegue até aos céus e tornemos célebre o nosso nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra.” (Gênesis 11:4)

Os três fatores que mais chamam nossa atenção neste versículo são o desejo do povo de Babel de: 1) levantar uma cidade e uma torre que atingisse os céus, 2) tornar célebre seu nome e, 3) evitar ser espalhado pela terra.

 

A nossa atenção normalmente é levada mais para a questão da torre. Pensamos que o grande pecado deste povo foi de tentar alcançar os céus. Alguns comentaristas sugerem que uma torre que toque os céus é apenas uma expressão para uma torre muito elevada (cf. Dt 1:28; Gn 28:12). O segundo e o terceiro fatores são ligados. O povo de Babel queria fazer algo muito grande, para ganhar um nome. Mas o que chama atenção é o propósito final: “para que não sejamos espalhados pela terra.”

Será que este foi o problema maior? Deus mandou em Gn 1:28 e repetiu o mesmo mandamento após o dilúvio em 9:1 que o ser humano se espalhasse. “Abençoou Deus a Noé e a seus filhos e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra.” Por alguma razão (talvez orgulho, concentração de poder, egoísmo, ou desejo de ser igual a Deus), os habitantes de Babel foram de encontro ao princípio dado pelo Criador. Deus quis povoar e espalhar as espécies por toda a terra. Este povo, ao contrário, unira-se, já que tinha uma só língua, para se estabelecer e permanecer onde estava.

Quando o Criador veio investigar o projeto, ele viu muito mais. Deus não mencionou nenhum dos três fatores que chamaram nossa atenção. Ao contrário, ele viu o fim da estrada, e julgando pelo começo de tudo aquilo, decidiu intervir. “e o SENHOR disse: Eis que o povo é um, e todos têm a mesma linguagem. Isto é apenas o começo; agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer.” (11:6)

Entre todas as possibilidades à disposição do Criador para frustrar este plano, ele escolheu a linguagem. Um povo unido, falando uma só língua (e com um só significado) pode fazer grandes proezas. Se Deus não tivesse intervindo, até onde o ser humano poderia chegar? De certa forma, Deus retardou o potencial humano para que o homem não destruísse a criação concentrando-se em um só local. Parece-nos que Deus não estava julgando o homem aqui por algum pecado, mas intervindo para prevenir uma catástrofe futura.

O relato da estória da Torre de Babel (na verdade a torre não é o centro da questão) faz lembrar dois momentos no Novo Testamento. No primeiro, as palavras de Jesus: “Pois quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; quem perder a vida por minha causa, esse a salvará.” (Lucas 9:24). Logo após a estória da torre dos homens de Babel, vem a estória de Abraão. Ao contrário deles, Abraão ouviu Deus, que o mandou ir embora para uma terra desconhecida, espalhou-se, e Deus fez seu nome grande e famoso (Gn 12:1 – 3).

Observando estas duas estórias, dos construtores de Babel e de Abraão, temos um paralelo, uma ilustração perfeita das palavras de Jesus em Lucas 9:24. Os homens de Babel queriam salvar seus nomes, terminaram perdendo sua cidade. Abraão deixou para trás familiares, onde tinha fixado residência, e certamente tinha nome. Ao fazer isso porque Deus mandou, Deus o salvou várias vezes, fez dele um grande povo e o seu nome é conhecido até hoje como o pai da fé.

Quando entregamos nossos planos a Deus e ouvimos o que ele pensa e obedecemos, o sucesso virá no tempo certo. Talvez não como planejávamos. Podemos unir todas as nossas forças para atingirmos um objetivo, sem consultá-lo e sem nos importar se é a favor ou contra ao que Deus pensa. Mas, ele pode intervir e frustrar tudo, se estes projetos forem prejudiciais aos planos dele, pois os planos dele visam não somente o nosso bem, mas o bem de toda a criação.

O segundo momento que lembramos no Novo Testamento, contrário ao exemplo de Babel, é da Igreja em Atos 2 e 8. No começo da Igreja em Atos 2, muitos falavam várias línguas, mas quando o Espírito interveio, todos ouviram uma só mensagem. Mais tarde, após a morte de Estevão, veio uma perseguição, e os cristãos (talvez o mesmo grupo de Atos 2) não fixaram residência, nem se uniram com medo de serem dispersos, mas ao contrário do povo de Babel, foram para todos os lugares levando o Evangelho (veja Atos 8:1, 4).

Evidentemente, parte do projeto de Deus era que a sua igreja se espalhasse por causa da perseguição. Imagine se os cristãos primitivos tivessem resistido à perseguição e decidido ficar em Jerusalém? Ou o cristianismo teria morrido lá mesmo, ou nunca teria chegado até nós! Talvez Gn 11:1-9 sirva de lembrete à Igreja, de que Deus quer que ela se espalhe por toda a face da terra levando as Boas Novas a todos os povos. Será que isto faz lembrar algo que vemos em Mateus 28:18-20?

Quando nós nos encontramos em situações de perseguição ou resistência à mensagem do Evangelho, quando sentimos que a nossa força é pequena ou que somos poucos diante do inimigo, devemos lembrar que, para Deus, isto é apenas o começo. Mas, também, para pessoas dispostas a seguir a orientação de Deus, e a serem usadas por Ele, a se espalharem e irem até onde ele levar, no final das contas, o próprio céu é o limite.

 

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