de Max Lucado

 

 

Eles estão vindo como amigos, amigos secretos — mas amigos de qualquer jeito. “Você pode deitá-lo agora, soldado. Eu vou cuidar dele.”

O sol da tarde está alto enquanto eles ficam de pé, em silêncio, no monte. Tudo parece mais quieto do que antes. A maior parte da multidão foi embora. Os dois ladrões ofegam e gemem, pendurados ali, prestes a morrer. Um soldado encosta uma escada na árvore do centro, sobe nela e remove a estaca que prende a viga de apoio da cruz. Dois dos soldados, contentes ao ver o fim do dia de trabalho, ajudam na tarefa pesada de colocar a cruz de cipreste e o corpo no chão.

“Cuidado agora”, diz José.

Os pregos de 12 cm são retirados da madeira dura, libertando as mãos frouxas. O corpo que revestia o Salvador é levantado e colocado sobre uma rocha grande.

“Ele é todo seu”, diz a sentinela. A cruz é posta de lado, para ser levada em seguida ao depósito até a próxima requisição.

Os dois não estão acostumados a este tipo de trabalho. Mas suas mãos se movem rapidamente, cumprindo a tarefa.

José de Arimatéia se ajoelha por trás da cabeça de Jesus e enxuga com ternura a face ferida. Com um pano macio e molhado ele limpa o sangue que escorreu no jardim, devido aos açoites e à coroa de espinhos. Feito isto, ele fecha os olhos bem fechados.

Nicodemos desenrola os lençóis de linho levados e os coloca na rocha ao lado do corpo. Os dois líderes judeus levantam o cadáver sem vida de Jesus e o põem sobre os lençóis. Partes do corpo são agora ungidas com especiarias perfumadas. Ao tocar as faces do Mestre com aloés, Nicodemos não consegue conter a emoção. Suas lágrimas caem sobre o rosto do Rei crucificado. Ele faz uma pausa para enxugar outra. O judeu de meia-idade olha tristemente para o jovem Galileu.

E um tanto irônico que o sepultamento de Jesus fosse conduzido, não por aqueles que se gabaram que jamais o deixariam, mas por dois membros do Sinédrio, dois representantes do grupo religioso que matou o Messias.

Todavia, de todos os que eram devedores daquele corpo sofrido, ninguém devia tanto quanto aqueles dois. Muitos tinham sido libertados dos abismos profundos da escravidão e doença. Muitos foram encontrados nos túneis mais escuros, túneis de perversidade e morte. Mas túnel algum jamais foi mais escuro do que aquele do qual esses dois homens foram resgatados.

O túnel da religião.

Não existe outro mais sombrio. Suas cavernas são muitas e seus abismos profundos. Seu desagradável mau cheiro subterrâneo é produto de boas intenções. Seu labirinto de canais está repleto de desorientados. Suas trilhas estão cobertas de odres de vinho e bebida derramada.

Você não desejaria levar uma fé incipiente para este túnel. As mentes jovens e inquisitivas logo se estragam na escuridão mortiça. As novas perspectivas são ignoradas a fim de proteger as frágeis tradições. A originalidade é desencorajada. A curiosidade sufocada. As prioridades desconsideradas.

Cristo só teve palavras fortes de censura para os que habitam nas cavernas. Ele os chamou de “hipócritas”. Atores sem Deus. Construtores de barreiras. Juízes inflexíveis. Podadores sem autorização. Detalhistas inúteis. “Guias cegos”. “Sepulcros caiados”. “Víboras.” Bang! Bang! Bang! Jesus não tinha tempo para os que se especializavam em fazer da religião um deus da guerra e da fé uma corrida pedestre. Não lhes dava qualquer oportunidade.

José e Nicodemos também estavam cansados. Haviam experimentado tudo. Tinham visto as listas de regras e regulamentos. Observaram o povo tremer sob os fardos insuportáveis. Ouviram as discussões intermináveis sobre detalhes legalistas. Usaram as vestimentas e se sentaram nos lugares de honra, vendo a Palavra de Deus ser usada em vão. Puderam perceber que a religião se tornara uma muleta que aleija.

Eles queriam livrar-se de tudo isso.

O risco era grande. A alta sociedade de Jerusalém não aprovaria a atitude de dois de seus líderes religiosos sepultando um revolucionário. Mas para José e Nicodemos a escolha era óbvia. As histórias contadas por aquele jovem pregador de Nazaré continham uma verdade que jamais fora ouvida na caverna. E, além do mais, eles preferiam salvar suas almas do que suas peles.

Levantaram então vagarosamente o corpo e o levaram para o túmulo novo. Ao fazerem isso, acenderam uma vela na caverna.

Supondo que esses dois homens estivessem observando o mundo religioso durante os últimos dois mil anos, eles teriam provavelmente descoberto que as coisas não mudaram tanto.

Existe ainda uma grande parte de mal vestindo as roupas da religião e usando a Bíblia como um malho. É ainda moda usar títulos sagrados e correntes santas. E continua sendo ainda verdade que é preciso encontrar fé apesar da igreja em lugar de na igreja.

Eles observaram também, no entanto, que no momento em que os religiosos ficam religiosos demais os retos ficam retos demais, Deus encontra alguém na caverna que acende uma luz. Ela foi acesa por Lutero em Wittenburg, por Latimer em Londres e por Tyndale na Alemanha. John Knox soprou as brasas como um escravo das galés e Alexandre Campbell fez o mesmo como pregador.

Não é fácil acender uma vela numa caverna escura. Todavia, aqueles dentre nós cujas vidas foram iluminadas por causa desses homens corajosos são eternamente gratos. De todos os atos de esclarecimento, não há dúvida qual foi o mais nobre.

“Você pode deixá-lo agora, soldado. Eu cuidarei dele.”



Copyright © 2002 Editora Vida Cristã www.vidacrista.com.br
Todos os direitos reservados. Reproduzido com a devida autorização.

[Para mais meditações de Max Lucado visite o site www.maxlucado.com.br]